Cairo, Egito

Não sei por onde começo a falar do Cairo!
Aqui é tudo muito, tudo exagerado, barulhento, sujo, magnífico. Nada é mais ou menos. Não consigo pensar em nada que não seja extremo.
A religião é forte demais, os homens, quase todos, tem as testas marcadas por calos ou hematomas de tanto rezar. Todo mundo carrega um tapetinho surrado pras orações diárias e tem horas que algumas lojas ficam sem vendedores porque provavelmente estão fazendo as orações. Mas lógico que os vizinhos cuidam uns dos outros.
Aliás, isso reparamos aqui e na Turquia. Um comerciante tem respeito pelo outro e jamais fomos chamados de uma banca pra outra.
As mulheres, 98% das que vimos, andam com lenços cobrindo os cabelos e pescoço, mangas compridas e calças ou saias longas, sempre! Não sei como aguentam o calor normal de 35ºC e o vento quente. Elas usam, tadinhas, blusinhas da moda ou decotadas por cima destas de manga comprida, geralmente de tecido sintético e bem justinha pra piorar o calor. Agora mesmo vi uma menina que devia estar jantando com o namorado e estava com um vestido bem decotado de cetim de seda pura estampada, coisa mais linda, por cima de um jeans e essa blusa justinha, além do lenço. Se não estão assim, estão de burca preta que só vemos os olhos, mas mesmo assim, só um risquinho. 
As unhas são feitas e usam bastante anéis. Os pés também, algumas pintam desenhos com henna e usam sandálias com os dedinhos de fora.
Elas prendem os lenços com alfinetes daqueles que tem a ponta de pérola, e fica o espeto aparecendo. Tem que ter muita prática pra não se espetar ao longo do dia, ou não espetar ninguém.
Os homens andam abraçados e se dão ‘beijinhos’ que na verdade só encostam as têmporas uns nos outros. As mulheres eles não cumprimentam.
Quer dizer, as muçulmanas, né? Porque as outras, nós, eles cumprimentam até demais! Mexem na rua, mesmo eu andando o tempo todo com o Madá, falam sabe lá o quê em árabe e alguma coisa num inglês bem ruim. Dizem (e eu concordo) que não se pode andar sozinha aqui, não sendo muçulmana. Porque vimos muitas muçulmanas andando pelas ruas e pelo metrô sozinhas e ninguém nem olha.
Fico me perguntando: se eles gostam tanto assim de cabelo, pescoço e braços, porque cobrem as mulheres deles??

O metrô tem vagões exclusivos pras mulheres e eu achei que ia ter que andar separada do Madá. Isso seria bem complicado porque é difícil descobrir em qual estação teríamos que saltar e em dois controlamos bem. Depois da Rússia, qualquer metrô é moleza!
Mas vimos, por sorte, algumas mulheres nos vagões masculinos então fui nesse mesmo, de cabeça baixa e com uma pashmina na cabeça e pescoço. É claro que não saí nenhum dia com qualquer tipo de decote e só calça comprida. Me escondi o máximo que pude. Mas aí vi que o lenço mal colocado na cabeça chamava mais atenção do que só cobrir o braço e o pescoço, então tenho feito isso. Imaginei que um pouco de cabelo que aparecia era como uma capa da Playboy com uma mulher só de calcinha pra eles, então engoli o vômito e tirei o lenço.

Mas no primeiro dia sofremos bem mais com esse comportamento invasivo e hoje foi mais tranquilo. Andamos mais de taxi, talvez por isso. O pessoal que vem de excursão não deve sentir tanto essas diferenças culturais porque nos lugares bem turísticos não há este assédio. Aliás pelamordedeus! Tem gente que não tem a menor noção e hoje vimos várias meninas de micro shorts, barriga de fora e uma até com um biquini e top nas pirâmides. 
Ah, os egípcios se esbaldaram.

As pirâmides vou deixar por último, então vou falar das comidas, que é o que mais dá pano pra manga aqui nesses papos. :)
A comida é divina!! No primeiro dia descemos pra tomar um café enquanto checávamos os emails e o Madá pediu um Café Turco, que é bem famoso por estas bandas e eu nunca tinha ouvido falar!
Pois veio. E tinha um cheiro e gosto maravilhosos de cardamomo! Eu pedi pro moço me dizer como fazia aquilo e ele mostrou que coloca o pó de café e cardamomos numa micro panelinha (que vou dar um jeito de achar) e um pouco de água num fogo bem brando. Quando ferver, tira e serve. Por isso tem tanto pó na xícara! E quem imaginou que café com cardamomo daria certo? Fica muito exótico e deve ser ótimo depois das refeições. Vamos aderir.
Aqui tem kibes e hummus e tahines e afins que são espetaculares. Enquanto o pão em Istambul pode melhorar, o daqui não tem o que ficar melhor. Todos os tipos de paes são excelentes e principalmente o sírio. É bem diferente do pãozinho sírio medonho que a gente tem no Brasil, mais fresco, mas macio e mais gostoso. Tivemos uma grande amostra da ótima comida daqui no restaurante giratório da torre do Cairo, de onde pudemos ver todas as vistas da cidade, inclusive as pirâmides meio borradas pelo calor lá longe, mas emocionante de se ver.
O nosso café aqui no hotel, que é 5 estrelas por um erro da agência que organizou a nossa viagem, é espetacular. Quando já estávamos maravilhados com as frutas cozidas (mãe, tem daquela pera que você fazia compota!!!), todos os pães do mundo, torta de damasco, molhinhos do tipo que descrevi ali em cima, geléias, queijos, torrones e etc perguntei pro garçom se por acaso teria ovos mexidos. Ele disse tem sim, me acompanhe que eu te mostro. Aí vi uma plaquinha “hot buffet area” que podia também dizer ‘heaven’. Quando vi, mais um buffett enorme com um cozinheiro preparando os omeletes na hora, batatas, feijões, salsichas, tomates, panquecas, massas folhadas, falafel, etc, etc, etc. Tem também uma coisa muito legal. Eles colocam um favo de mel enorme que escorre numa canaletinha e vai enchendo um pote ali na hora, pra gente se servir. Já viu mel mais fresco??

Ai, antes vou falar das compras! Fomos no tal Mercado daqui, o Khan el Khalili, que achamos ser parecido com o de Istambul e pegamos um taxi pra lá. O trânsito aqui é caótico, mas de verdade. Quem pensa que São Paulo tem trânsito ruim tem que ver isso aqui. Não tem absolutamente nenhuma regra, nem pra carro, nem pra pedestre. Tem que ir atravessando pelo meio, levando buzinada - que ninguém nem ouve mais - e se consegue chegar do outro lado. Já estamos craques! Os carros vão aqui e ali, e se tem 3 faixas na rua, eles conseguem fazer umas 16. A polícia pelo meio, todos armados com fuzis enormes Kalashnikov e sem colaborar com absolutamente nenhuma ordem. Eles chegam a acender um cigarro e ficar no meio daquela zona sem controlar coisa nenhuma.
Todos os carros tem batidinhas e amassadinhos, ou batidonas e amassadões. Os carros são caquéticos, e imundos. Aliás, tudo aqui é imundo e empoeirado. Tem gatos e até cavalos apodrecendo pela rua. Mas gente, eu quero deixar bem claro que eu estou amando isso aqui. É completamente diferente de qualquer outro lugar que eu já tenha visto. As mulheres são muito amáveis comigo e todo mundo é muito sorridente. Eles adoram o Brasil e principalmente o nosso futebol. Sabem quem foram os técnicos e os jogadores todos e tem um amor especial pela seleção de 1994. Dizem que depois do Egito, sempre torcem pelo Brasil na Copa.

Mas o mercado. Uma zona, meu Deus! São mil lojinhas abertas pela rua vendendo de tudo desde temperos, caixinhas de madeira com madrepérola, capas de almofadas, batas curtas e longas, pashminas, bijuterias e lençóis. Mas os tais lençóis egípcios que vi aqui e em outras lojas não me agradaram muito. São bem cheios de babados e bordados, brilhantes. Não consegui descobrir uma loja que vendesse lençóis do jeito que eu queria.
Andamos algumas quadras neste mercado e compramos batas e lenços árabes no meio de gente carregando sacolas gigantes de uma loja pra outra, outros com bandejas de chá ou refrigerantes, gatos brigando e muita, muita sujeira.

Tive a impressão de as coisas serem meio Made in China e fomos pra loja de artesanato Fair Trade, que é novidade aqui e fica no bairro mais chique (mas não menos sujo) Zamalek. A lojinha fica escondida, dentro de um predinho e achamos até que era apartamento de alguém. Mas assim que abrimos a porta, ficamos encantados com tudo! Ali sim, materiais locais, objetos feitos a mão de todo tipo. Toalhas de mesa, colchas, almofadas, pashminas lindas, batas, tapetes, cerâmicas, objetos com chifres de búfalo - que são totalmente aproveitados (depois de mortos) por uma comunidade egípcia, cestos e etc. Tudo muito bonito e feito com amor, dava pra perceber. Lá me empolguei de verdade e gastei todo o nosso dinheiro, deixando só um troquinho pro taxi! Mas aliás, as coisas lá eram mais baratas que no Mercadão, então aproveitamos. Trouxe até uns folders pra distribuir no hotel.

Acordamos cedinho pra ir pras pirâmides porque eu sempre na minha vida que vi alguma foto de lá tem trocentos nego na foto de alguém perdido lá no meio, tentando aparecer. A gente tinha visto o filme Cairo Time antes de vir e eu fiquei com aquela idéia de ir lá cedo pra ver como eles viram. Valeu muito a pena porque chegamos antes da bilheteria abrir e tiramos fotos maravilhosas com o céu mais azul do mundo e sem mais ninguém. Mais tarde colocamos no flickr pra vocês verem. A gente entrou pelo portão que dá de cara com a Esfinge. Ela é bem pequena! Eu sempre achei que era gigante e ela deve ter uns 20m de altura só. O Napoleão fez um bom estrago no nariz dela, tadinha. Mas tudo está em ótimas condições, visto a idade. 
Fomos subindo em direção às belas e não tem como não deixar escorrer algumas lágrimas. Como assim, nós aqui nas pirâmides? Quando eu iria imaginar? Elas são lindas e a confusão em volta, os vendedores, os donos de camelo oferecendo passeios, os taxistas muito muito muito malas, o calor infernal, nada disso tira a beleza e a sensação de paz que senti quando vi de mais perto as pirâmides. Elas são enooormes. Cada pedra gigante e pensei nos pobres escravos que tiveram que suar e apanhar pra construir, pior ainda, debaixo daquele calor num tempo que não existia água gelada. O Madá tá me dizendo que a Queóps foi feita por homens livres e que foram pagos com cerveja. Aí já não fica tão ruim, mesmo com a cerveja quente…

Cada dia nosso aqui valeu a viagem toda. Desde o primeiro dia em Helsinki estamos dizendo: nossa, se a viagem acabasse hoje já teria valido tudo. E nesse dia das pirâmides então, valeu por todos e por muitos que ainda virão.

Hoje vamos ao Zoo do Cairo, que é um dos maiores do mundo e a próxima parada, amanhã, é Paris. Tomara que o Sarcozy dê uma acalmada naquele povo revoltoso de lá!



Fotos do Cairo, aqui:
https://www.flickr.com/photos/maisglitter/albums/72157625205869106

Comentários